sábado, 23 de março de 2013

Os cantos traiçoeiros: Uma sátira ao apartidarismo.


"Me deste a fraternidade para o que não conheço.Me acrescentaste a força de todos os que vivem.Me tornaste a dar a pátria como em um nascimento.Me deste a liberdade que não tem o solitário.Me ensinaste a acender a bondade, como o fogo.Me deste a retidão que necessita a árvore.Me ensinaste a ver a unidade e a diferença dos homens.Me mostraste como a dor de um ser morreu na vitória de todos.
Me ensinaste a dormir nas camas duras de meus irmãos.
Me fizeste construir sobre a realidade como sobre uma rocha.
Me fizeste adversário do malvado e muro do frenético.
Me fizeste ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria.
Me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo”.
Me ensinaste a dormir nas camas duras de meus irmãos.Me fizeste construir sobre a realidade como sobre uma rocha.Me fizeste adversário do malvado e muro do frenético.Me fizeste ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria.Me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo”.

Em boa parte das tradições populares dos povos espalhados pelo mundo se repete o mito de seres mágicos que encantam de algum modo os homens e mulheres de tal forma que esses se lançam em busca do ser encantador quando encontram a desgraça. Talvez lenda mais conhecida seja a que utilize do canto, da voz melodiosa que, ao chegar ao ouvido humano, provoca uma insana vontade de ir à busca dessa voz. Entre os gregos eram as sereias, no Brasil temos a Iara à europeia.

Não é à toa que, no imaginário popular, o canto era o objeto de fascínio, ou a voz. Uma vez que é na fala, na 
palavra, pronunciando que os homens e mulheres constituem o mundo. Pronunciando o mundo um com o outro é o modo que os homens e mulheres vivem, refletem transformam a sua realidade. Portanto, a palavra autêntica, que é também ação, anúncio e denúncia, o discurso, representa para a humanidade o elemento que funda o mundo e ele sempre exige o outro.

Ora, enquanto esses encantamentos traiçoeiros persistiam no imaginário popular, eles eram inofensivos, no entanto, o mito da sereia toma corpo na realidade de formas diversas. A maneira mais perversa dessa crença se manifestar é no discurso, na pronúncia do mundo. Alguns discursos aparentam ser inofensivos, às vezes até trazem aquela pretensa validade quase inquestionável, que encanta de tal forma que uma multidão passa a repeti-lo até que a realidade trata de afogar um por um.

Mais um novo discurso vem encantando a nossa geração, principalmente a juventude. O apartidarismo tem se tornado cada vez mais fortemente a “sereia” que arrasta o povo para a inação. O apartidarismo aqui toma um sentido mais amplo do que o cotidianamente usado, não é apenas a não participação em partidos políticos, mas a não construção de qualquer instrumento político, a opção pela não roganização.

Assumir que o mundo se constitui na proximidade com o outro, na pronúncia nunca solitária do mundo é perceber também que as transformações nesse mundo só podem ocorrer com o outro. Nenhum homem, nenhuma mulher se transforma sozinho ou outrem, os homens e mulheres se libertam e se transformam em conjunto, em comunhão, em proximidade, através da ação no mundo. Ora, a ação política só faz sentido quando feita em comunhão com os outros, ombro a ombro com companheiros e companheiras que partilham sonhos e projetos.

Por isso a necessidade se construir um instrumento político que agrupe pessoas com vontade de mudar o mundo. Mas não basta qualquer um. O instrumento político capaz de realizar transformações no mundo é aquele que tem uma estratégia, um projeto claro e que unifica os agentes transformadores. Desse modo, não é suficiente vontade de mudar o mundo, é preciso saber para que caminho se queira levar o mundo. Além disso, o instrumento adequado ao seu tempo deve fazer a análise das correlações de força corretamente e pensar nas táticas que devem ser adotadas.

Está claro que não existe o instrumento político ideal, mas sim o adequado ao seu tempo. Por vezes ele é um partido, outras um movimento. Mas é essencial, para aquele que se pretende realmente transformador, um projeto de mundo que unifique xs oprimidxs silenciadxs por processos encobridores.

“Quando o velho já morreu e o novo ainda não nasceu, é tempo de muita incerteza”. É facilmente perceptível que para os lutadores e lutadoras do povo se fecha um ciclo que traz alguns saldos positivos na luta popular. Esse momento de incerteza justifica a confusão feita pela nossa geração, em especial a juventude, entre o Instrumento Político transformador e outros que são apenas aglutinadores, e, por isso, não organizativos. Além disso, vivemos uma moralização insana e quase doentia da política e dos partidos, como se eles não fossem construídos por homens e mulheres, mas por anjos. Parece que a nossa geração está em busca do Instrumento Político perfeito, que cairá dos céus, ou irromperá da terra, pronto, acabado e no ponto para realizar as transformações necessárias. É por esse motivo que a juventude não se implica na construção de Instrumento que possa efetivamente provocar a libertação dxs que tem o seu direito de pronunciar o mundo negado, dxs historicamente exploradxs, e prefere deitar na confortável rede do apartidarismo, protegida pela sombra do imobilismo.

Isso tudo explica a postura de nossa geração, no entanto, não a isenta de responsabilidade pela perpetuação das opressões. O apartidarismo, o discurso da não necessidade de organização é apenas outra roupagem do velho “faça a sua parte” individualista. É como se não precisássemos do outro para provocar a mudança no mundo, como se bastasse a vontade individual de mudar e bastasse a ação individual em busca da mudança. Esquecem-se os apartidários que a existência do mundo se dá no diálogo real com o outro, na pronúncia do mundo do outro em contato com a nossa pronúncia.

Enfim, os homens e as mulheres não são sozinhos no mundo, estão sempre em proximidade e é assim que se constitui o mundo. Qualquer transformação só consegue ser feita em comunhão. Por isso, aos/às partidárixs da não organização, do apartidarismo, aos que se contentam em ser partidárixs dxs que querem mudar o mundo, sem qualquer projeto claro, definido, sem estar ombro com ombro com aqueles e aquelas que partilham projetos, por mais belo e encantador que seja esse discurso, cuidado, a realidade pode afogá-lx.

Magnus Henry – Militante do Levante Popular da Juventude, membro do Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos, Estagiário de Direito do CRDH-UFRN

Um comentário:

  1. hahaha, o maior movimento de resistência anticapitalista hoje, pra mim, sem dúvidas é o ZAPATISMO. Não precisamos de nenhum partido salvador, não precisamos de nenhum aproveitador de nossos esforços.

    como diriam os zapatistas: "estamos abaixo e a esquerda, CAMINHANDO... " não queremos tomar o poder, queremos desenvolver coletivamente, lutamos por autonomia e auto-determinação. Não autorizamos ninguém a falar por nós mesmxs.

    são os vícios da velha política, que afastam cada vez mais a participação real das pessoas, cheios de discursos prontos "correlação de forças, estratégia, vanguarda, partidos";

    apartidarismo não significa inação. Se têm uma crítica com o imobilismo, não tente sujar princípios bem caros as movimentações independentes. As revoluções são feitas não por partidos, mas sim pela vontade de mudança das pessoas, das massas... Os partidos sempre tentam dirigir essa voz das massas, tentando frear o processo revolucionário.

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