domingo, 31 de março de 2013

Os ecos de 64


“E ecoa noite e dia. É ensurdecedor
Ah! Mais que agonia. O canto do trabalhador.”

Enquanto em seus porões os gritos de uma geração eram abafados, os anos produzidos por 64 era palco para uma orquestra industrial com sons metálicos e gritos de medo. Em nome de salvar o país e suas instituições sagradas de uma ditadura imaginária que poria fim à ordem que beneficiava uma parcela pequena do Brasil, mas principalmente os interesses externos, se escondendo na ideologia da Segurança Nacional, os maestros (externos e internos) daquela orquestra, não mais satisfeitos com ensaios, fizeram do Estado uma máquina de fazer cadáveres, viúvxs e órfãos; uma máquina de destruir carreiras, sonhos e famílias.

Foram anos de um som tão intenso e ensurdecedor de gritos, de choque, de bancadas, de bombas, de tiros, de choros, enfim, de desespero, que a música sincera que tentava ser produzida pelo povo brasileiro naquele período foi silenciada e relegada à memória dilacerada dos lutadores e lutadoras do povo que sobreviveu a todo aquele tormento. A manhã renasceu e o amanhã foi outro dia. O jardim floresceu, mas o galo esqueceu-se de insistir em cantar. Aquela orquestra metálica de mau gosto foi desmontada, no entanto só alguns instrumentos foram destruídos, as batutas dos regentes nem sequer chegaram a ser quebradas, e o som infernal produzido por ela continuaram ecoando nas estruturas do Estado e reverberando nos peitos de alguns saudosos daquela época sanguinária, enquanto os gritos produzidos em seus porões continuaram abafados.

E ecoa ainda aquele som agudo e metálico que mata; que dilacera; que tortura. Se antes se violava Direitos Humanos em nome da Segurança Nacional, hoje se viola em nome da Segurança Pública. Antes aquela orquestra nefasta se apresentava em qualquer bairro, teatro e universidade, hoje apenas nas periferias e penitenciárias. O som mecânico das engrenagens da repressão continua perseguindo aqueles que ousam lutar por mundo mais justo e inclusivo.

As verdades sobre a ditadura civil-militar precisam ser escancaradas para que o povo reescreva a sua história e que as feridas produzidas por ela cicatrizem, para que o som metálico e ensurdecedor deixe de assombrar a nossa jovem democracia e que o povo possa voltar a sonhar e lutar por dias melhores. A nossa geração tem o dever de resgatar a luta de nosso povo e identificar os nossos algozes que regeram (regeram?) aquela sinfonia nefasta para que não se esqueça, para que nunca mais se repita.

sábado, 23 de março de 2013

Os cantos traiçoeiros: Uma sátira ao apartidarismo.


"Me deste a fraternidade para o que não conheço.Me acrescentaste a força de todos os que vivem.Me tornaste a dar a pátria como em um nascimento.Me deste a liberdade que não tem o solitário.Me ensinaste a acender a bondade, como o fogo.Me deste a retidão que necessita a árvore.Me ensinaste a ver a unidade e a diferença dos homens.Me mostraste como a dor de um ser morreu na vitória de todos.
Me ensinaste a dormir nas camas duras de meus irmãos.
Me fizeste construir sobre a realidade como sobre uma rocha.
Me fizeste adversário do malvado e muro do frenético.
Me fizeste ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria.
Me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo”.
Me ensinaste a dormir nas camas duras de meus irmãos.Me fizeste construir sobre a realidade como sobre uma rocha.Me fizeste adversário do malvado e muro do frenético.Me fizeste ver a claridade do mundo e a possibilidade da alegria.Me fizeste indestrutível porque contigo não termino em mim mesmo”.

Em boa parte das tradições populares dos povos espalhados pelo mundo se repete o mito de seres mágicos que encantam de algum modo os homens e mulheres de tal forma que esses se lançam em busca do ser encantador quando encontram a desgraça. Talvez lenda mais conhecida seja a que utilize do canto, da voz melodiosa que, ao chegar ao ouvido humano, provoca uma insana vontade de ir à busca dessa voz. Entre os gregos eram as sereias, no Brasil temos a Iara à europeia.

Não é à toa que, no imaginário popular, o canto era o objeto de fascínio, ou a voz. Uma vez que é na fala, na 
palavra, pronunciando que os homens e mulheres constituem o mundo. Pronunciando o mundo um com o outro é o modo que os homens e mulheres vivem, refletem transformam a sua realidade. Portanto, a palavra autêntica, que é também ação, anúncio e denúncia, o discurso, representa para a humanidade o elemento que funda o mundo e ele sempre exige o outro.

Ora, enquanto esses encantamentos traiçoeiros persistiam no imaginário popular, eles eram inofensivos, no entanto, o mito da sereia toma corpo na realidade de formas diversas. A maneira mais perversa dessa crença se manifestar é no discurso, na pronúncia do mundo. Alguns discursos aparentam ser inofensivos, às vezes até trazem aquela pretensa validade quase inquestionável, que encanta de tal forma que uma multidão passa a repeti-lo até que a realidade trata de afogar um por um.

Mais um novo discurso vem encantando a nossa geração, principalmente a juventude. O apartidarismo tem se tornado cada vez mais fortemente a “sereia” que arrasta o povo para a inação. O apartidarismo aqui toma um sentido mais amplo do que o cotidianamente usado, não é apenas a não participação em partidos políticos, mas a não construção de qualquer instrumento político, a opção pela não roganização.

Assumir que o mundo se constitui na proximidade com o outro, na pronúncia nunca solitária do mundo é perceber também que as transformações nesse mundo só podem ocorrer com o outro. Nenhum homem, nenhuma mulher se transforma sozinho ou outrem, os homens e mulheres se libertam e se transformam em conjunto, em comunhão, em proximidade, através da ação no mundo. Ora, a ação política só faz sentido quando feita em comunhão com os outros, ombro a ombro com companheiros e companheiras que partilham sonhos e projetos.

Por isso a necessidade se construir um instrumento político que agrupe pessoas com vontade de mudar o mundo. Mas não basta qualquer um. O instrumento político capaz de realizar transformações no mundo é aquele que tem uma estratégia, um projeto claro e que unifica os agentes transformadores. Desse modo, não é suficiente vontade de mudar o mundo, é preciso saber para que caminho se queira levar o mundo. Além disso, o instrumento adequado ao seu tempo deve fazer a análise das correlações de força corretamente e pensar nas táticas que devem ser adotadas.

Está claro que não existe o instrumento político ideal, mas sim o adequado ao seu tempo. Por vezes ele é um partido, outras um movimento. Mas é essencial, para aquele que se pretende realmente transformador, um projeto de mundo que unifique xs oprimidxs silenciadxs por processos encobridores.

“Quando o velho já morreu e o novo ainda não nasceu, é tempo de muita incerteza”. É facilmente perceptível que para os lutadores e lutadoras do povo se fecha um ciclo que traz alguns saldos positivos na luta popular. Esse momento de incerteza justifica a confusão feita pela nossa geração, em especial a juventude, entre o Instrumento Político transformador e outros que são apenas aglutinadores, e, por isso, não organizativos. Além disso, vivemos uma moralização insana e quase doentia da política e dos partidos, como se eles não fossem construídos por homens e mulheres, mas por anjos. Parece que a nossa geração está em busca do Instrumento Político perfeito, que cairá dos céus, ou irromperá da terra, pronto, acabado e no ponto para realizar as transformações necessárias. É por esse motivo que a juventude não se implica na construção de Instrumento que possa efetivamente provocar a libertação dxs que tem o seu direito de pronunciar o mundo negado, dxs historicamente exploradxs, e prefere deitar na confortável rede do apartidarismo, protegida pela sombra do imobilismo.

Isso tudo explica a postura de nossa geração, no entanto, não a isenta de responsabilidade pela perpetuação das opressões. O apartidarismo, o discurso da não necessidade de organização é apenas outra roupagem do velho “faça a sua parte” individualista. É como se não precisássemos do outro para provocar a mudança no mundo, como se bastasse a vontade individual de mudar e bastasse a ação individual em busca da mudança. Esquecem-se os apartidários que a existência do mundo se dá no diálogo real com o outro, na pronúncia do mundo do outro em contato com a nossa pronúncia.

Enfim, os homens e as mulheres não são sozinhos no mundo, estão sempre em proximidade e é assim que se constitui o mundo. Qualquer transformação só consegue ser feita em comunhão. Por isso, aos/às partidárixs da não organização, do apartidarismo, aos que se contentam em ser partidárixs dxs que querem mudar o mundo, sem qualquer projeto claro, definido, sem estar ombro com ombro com aqueles e aquelas que partilham projetos, por mais belo e encantador que seja esse discurso, cuidado, a realidade pode afogá-lx.

Magnus Henry – Militante do Levante Popular da Juventude, membro do Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos, Estagiário de Direito do CRDH-UFRN

quinta-feira, 21 de março de 2013

Sem medo de ser Negra, Sem medo de ser Negro!!!

No dia 20 de março, algumas mulheres da UFRN se reuniram para debater o "Manual da Caloura", debatemos cada regra e encenamos algumas hitórias de opressão que vivencimamos... 



Um dia antes do Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação (21 de março) muitas histórias sobre a obrigação de ter um cabelo liso e da resistência que o simples fato de manter o cabelo natural representa. Histórias de ausência de negras estudando na universidade, principalmente em cursos 'nobres', histórias de preconceito e ignorância. 

Como é possível que alguns estudantes universitários pensem que não exista negros em nosso Estado?? O Rio Grande do Norte está repleto de negras e negros, se Câmara Cascudo falou o contrário e até hoje algumas pessoas reforçam esta idéia, eles devem ter seus motivos: apagar a identidade do povo é tirar a sua força e matar sua cultura. 

 Mas nossa população sempre foi repleta de índios e Negros!! “Quem pensa o contrário deve almoçar todo dia no Camarões (restaurante nobre de Natal) e não olhar o garçom que está lhe servindo, não deve ter pisado na Zona Norte ou em Felipe Camarão... Não conhece o povo potiguar”!! 

Sem medo de ser Negra e sem medo de ser Negro vamos lutar pela nossa identidade e por nossos direitos!!

Negra, com orgulho e mais um pouco!

Eu sou negra, morena não!
Eu sou negra e ponto,
sem vírgula, sem reticência...
Eu sou negra sem padrão,
Com swingue ou não.

Eu sou negra de cabelo crespo,
liso,cacheado ou trançado,
Eu sou negra...
Eu sou negra com todas as opressões
que um estado burguês pode dar,
Eu sou negra e quero na universidade entrar,
Eu sou negra e quero ver a negritude liberta.

Quero ver o preconceito longe de mim
e dos outros também...
Quero ver o ecoar do candomblé
bailando nas praças,
Quero ver meu nêgo chorar de alegria,
e não a tristeza de viver ...

Eu sou negra, minha gente!
Eu vim lá da África
trazida no grande navio
me fizeram escrava
no trabalho, sexual e mercantil,
Enxerguei a resistência
e lutei, e lutei,luto,lutarei
até o povo viver a verdadeira liberdade!

Mara Farias

sexta-feira, 15 de março de 2013

Moção em repúdio a eleição da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados




Nós do Levante Popular da Juventude repudiamos a eleição do deputado federal e pastor Marco Feliciano (PSC), para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
O deputado é conhecido por sua postura fundamentalista e suas manifestações públicas, verbais e escritas, com conteúdo racista e homofóbico pelas quais responde a processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal, ferindo diretamente os direitos e as garantias conquistadas historicamente pelos movimentos de mulheres, LGBT e de negros e negras. Estes movimentos são fundamentais para a consolidação da democracia conquistada com muita luta pelo povo brasileiro.
Entre suas declarações o deputado afirma, através de redes sociais, que africanos são descendentes amaldiçoados de Noé e que a AIDS é um câncer gay. Reforça também o discurso patriarcal e machista sobre o papel da mulher na sociedade, afirmando que esta deve ser submissa ao homem.
O deputado não representa as aspirações democráticas do nosso povo e da nossa juventude. Por isso mobilizações em todo país contestam sua indicação, por considerarem um retrocesso na consolidação dos Direitos Humanos e da democracia brasileira. Nós do Levante Popular da Juventude nos somamos ao povo brasileiro e exigimos o imediato afastamento do deputado desta comissão.

Pelo Afastamento imediato do Marcos Feliciano!
O Brasil exige Direitos Humanos