quarta-feira, 30 de abril de 2014

Reforma política para além das páginas amarelas‏



 É quase senso comum que a política do Brasil sofre de uma crise assombrosa, o que vem causando verdadeira repulsa dessa nova geração a tudo que se relacione à política, em qualquer boteco, sala de aula, rodas de conversas, sessão da academia, conversas de jantar ou almoço, se repete quase feito um mantra os vícios de um sistema político, que, em que pese se falar em crise, nasce já com o germe da corrupção, de sua falência. A crise no nosso sistema político é em verdade um projeto de poder de exclusão de boa parte dos cidadãos, de governo para poucos, em benefício ao privado.
            O campo da política no Brasil com esse sistema forjado em meio à doutrina do General Golbery do Couto e Silva de “transição lenta, gradual e segura” da Ditadura do militares para a democracia vigente permitiu que o poder permanecesse nas mãos das mesmas oligarquias locais, das mesmas famílias que se revezavam, e continuam se revezando, de tempos em tempos em cargos no executivo e no legislativo. Os militares se retiraram do palco, e se mantiveram nos bastidores, mas deixou toda a corja que sustentou sua política autoritária e conservadora, todas as famílias que constituíram sua influência política em meio ao sangue dos torturados e das torturadas nos porões da ditadura.
            Falar em reforma política é dar o último golpe em um sistema político autoritário para que ele caia definitivamente na vala que o espera. Com ele, derrubar de vez os poderes das poucas famílias que atrasam a política nas várias cidades e Estados do país que se sustentam com compras de voto e distribuição de favores. No entanto, há uma falsa polêmica que vem se instaurando em meio à pauta da reforma política. Uma visão “etapista” da história tem dito que não há que se falar em reforma política sem melhorar a educação, sem garantir o acesso irrestrito, que, na verdade, o problema do sistema político se restringe à educação e que basta garantir uma educação de “qualidade” para se instaurar, feito mágica, um sistema político democrático e de fato representativo.
            Não é muito difícil que tal afirmação caia numa tautologia, num ciclo sem fim, afinal, quem vai melhorar a educação sem realizar a reforma política? As vozes que repetem essa afirmação vazia respondem: “de fato, não há quem tenha interesse em melhorar a ‘qualidade’ da educação”. Por fim temos uma ode ao imobilismo, ao conformismo, à inação. A discussão sobre o que vem primeiro, a reforma política ou a educação, é tão relevante para história como responder quem veio primeiro se o ovo ou a galinha. A história não se escreve seguindo uma receita de bolo que primeiro batemos a clara do ovo em neve, etc.
            Bastariam esses argumentos para demonstrar a fragilidade dessa polêmica criada. No entanto, aprofundemos mais um pouco sobre o tema. Esse pessoal que consegue ver um antagonismo entre a melhoria na educação e na mudança do sistema político (porque em verdade não há) não se enxerga responsável pelo andar manco da política brasileira, nem mesmo visualiza a radicalidade da questão, se limitando a projetar toda a culpa da falência da política brasileira, em última instância, na venda de votos e no sujeito “ignorante” que coloca seu voto à venda, por isso reivindica a “qualidade” na educação sem nunca ter se perguntado no que consiste essa tal de qualidade. Óbvio que a compra de votos é um vício dos mais graves em nosso sistema político, mas não o único, há ainda questões centrais sobre o exercício do poder que, nesse discurso do senso-comum, nunca chega a ser tocado. Além disso, a melhora na qualidade da educação, sem nunca se questionar que danado de qualidade é essa, só aumentará quanto vale o voto. Como assim?
Você provavelmente tem um amigo, nem que seja só um, que estudou em alguma escola dita de boa qualidade (que aprovava muito nos falecidos vestibulares, ou que garantem notas boas no ENEM), que não tem como critério de escolha de candidato o projeto que ele defende (não falo em propostas, mas em projeto político para a cidade ou para o país). Eu, por exemplo, de cabeça, sem muito esforço mental, me lembro de ao menos uns 10 amigos de que concluiu seus estudos em boas escolas e que hoje estudam em algum curso superior, votaram em candidatos X, Y, ou Z (das mesmas famílias que permanecem monopolizando o poder na cidade) por ter sido prometido um cargo a fulano, seu vizinho, seu irmão, seu parente ou sua namorada. Isso entre os considerados bem educados. E não é uma compra de voto? Só mais cara que uma cesta básica?
Não há que se negar que temos um problema na educação do país, na saúde, na moradia, na distribuição de terra, e as lutas por cada um desses direitos não é mais ou menos importante, ou mesmo precisa vir antes da conquista do direito à alimentação, etc. A luta por Direitos é simultânea (mesmo de participação ou de efetiva representação), cabe aos agentes da história, nós, homens e mulheres, tentar decifrar o melhor momento e a melhor forma de se potencializar as conquistas, a partir da conjuntura que está dada. Os homens e as mulheres fazem história, mas não como bem querem, e sim sob as condições postas a sua disposição.
Um reforma política que toca nas questões centrais do poder é sim necessária e não virá sem luta, pois é exatamente o processo da conquista que transformará o jeito de fazer política no país e se alterarão as correlações de força e não apenas a inserção de algumas combinações de palavras em uma folha de papel (seja lei ou constituição), por isso o caráter central de se construir o plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana pela reforma política como um instrumento pedagógico de preparação para uma transformação concreta do sistema político, pois ela só será efetiva de vier de baixo, da base, da própria sociedade civil (não que haja alguma possibilidade concreta de uma reforma política por cima, pelos poderes constituídos, pelos donos do poder), e que toque na estrutura da sociedade, não apenas em alguns floreios eleitorais, mas que discuta a mídia, o judiciário, e toda a estrutura corroída pelos cupins da história de um sistema criado para dar errado.

Magnus Henry Marques