sábado, 14 de junho de 2014

A indesejada Democracia

“Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”


Outubro vem chegando, e os setores que apoiam e sustentam a oposição ao governo ficam em polvorosa para eleger qualquer pauta para tentar roubar alguns apoios da base do governo. Os mesmos setores que tem como único projeto espalhar o medo vermelho para ressuscitar os anos dourados da guerra fria, para isso, qualquer tática pode ser utilizada inclusive forjar factoides como o que se ergueu em torno desse tal Decreto nº 8.243/2014 que cria a Política Nacional de Participação Social, para outros o instrumento que, contra qualquer base conjuntural, serve como verdadeiro instrumento para a “bolchevização” do Brasil (com todo esse linguajar que nos remete aos discípulos do Astrólogo Olavo de Carvalho).
O cenário que a oposição vem tentando criar é risível, digno de teorias conspiratórias que circulavam as caixas de entrada de e-mail na década de 90. Acima de tudo, com toda essa algazarra da desinformação, em um festival de inexatidão de conceitos teóricos, veio à tona o fundamento autoritário e antidemocrático da direita brasileira, com seus partidos e meios de comunicação. Não é de se admirar que esses sujeitos, os mesmos que outrora instauraram o tão conveniente medo vermelho e que apoiaram um regime que torturava, matava e estuprava quem dele discordava, reprimia e silenciava movimentos sociais dos mais diversos, e que, após a tal “redemocratização”, se deleitava com a aplicação da política também autoritária do neoliberalismo, continuem destilando venenos contra a participação da sociedade civil na coisa pública e se esforçando para deixar longe das decisões qualquer movimentação genuinamente social, mas é de surpreender que tenha sido tão abertamente. O DEM, antigamente PFL e outrora ARENA, chegou a ameaçar levar o tal decreto a discussão, quanto a sua constitucionalidade, ao STF, o PSDB, o dos anos do neoliberalismo, já acionou todo os seus companheiros donos dos meios de comunicação para sair ao ataque contra o tal decreto, e o PMDB, aliado do governo, mas sustentado pelo sistema político que permite a hegemonia das oligarquia locais, já indicou que entrará na guerra contra o instrumento que amplia a participação popular.
O Decreto em questão é uma resposta a uma necessidade concreta que vem se apresentando na sociedade brasileira nos últimos tempos, a ampliação do espaço de participação popular frente a uma crise generalizada de um modelo de democracia representativa importado, além disso, ajuda a concretizar uma série de princípios que regem a Administração Pública e tornam outros mandamentos constitucionais terminando por dar forma mais concreta ao Estado Democrático de Direito.
Em verdade o Decreto não é muito inovador, ao contrário do que quer fazer crer a oposição (e nem poderia, afinal, é um decreto). Conselhos populares já são previstos em instrumentos normativos no sistema jurídico brasileiro como, por exemplo, a lei do SUS (Lei nº 8.080/90). Um decreto, no ordenamento jurídico brasileiro, é de competência do Poder Executivo e é utilizado essencialmente para garantir a melhor aplicação de outros instrumentos normativos. Uma leitura nem tão criteriosa assim do criado da Política Nacional de Participação Social evidencia que seu objetivo é esclarecer como se dá a participação popular na seara da Administração Pública, e possibilitar maior homogeneidade nesses instrumentos constitucionais e democráticos, além de estabelecer diretrizes gerais para às conferências nacionais, audiências públicas, etc. O instrumento emanado do Palácio da Alvorada tem o condão de auxiliar os entes pertencentes à Administração Pública Federal (em órgãos, universidades, institutos, etc.) na ampliação da participação popular em suas decisões, sequer extrapola os limites do pacto federativo, quiçá a tal sacralizada divisão dos poderes.
Essa política de participação "criada" é um avanço tímido, mas é um passo a frente e permite a superação da participação do povo na coisa pública apenas como o ato de escolher quem exercerá o poder por delegação ao permitir que as decisões sejam tomadas por um número ainda mais amplo de sujeitos, pelo povo que sustenta (e detém) de fato o poder político. A democracia nem nos olhos de um míope deve ser encarada como uma franquia importada das civilizações mais “evoluídas”, como querem fazer crer os propagadores da “rubrofobia”, ela é uma forma de organização de sociedade inacabada, histórica, em constante aperfeiçoamento, que possui uma dimensão procedimental, a que garante legitimidade das decisões, e outra normativa, que nos leva a buscar mecanismos de maior participação popular.
A América Latina tem sido o o cenário onde tem se ensaiado novas formas de democracia que conseguem ampliar a sua base, graças às mobilizações populares, finalmente se redimindo dos anos de neoliberalismo e negando o modelo importado de democracia representativa que não permite a consulta popular, mas nunca, jamais, negou os conchavos empresariais ou dá um passo sequer sem perguntar ao Deus mercado o que ele deseja como sacrifício. Ou negaremos que qualquer política que é tomada sobre a agricultura no Brasil passa pela chancela do agronegócio (no executivo, no judiciário e principalmente no legislativo)? Que qualquer ação sobre a telecomunicação deve receber a avaliação da Rede Globo, Veja e demais dominadores do setor? E que os grandes conglomerados empresariais da educação não são consultados quanto aos termos na Política Nacional para a educação? O cínico argumento que a democracia é o “cada cidadão um voto” só faria sentido em outro século já superado, em que ainda se relutava em reconhecer a interseção do campo econômico no político e se cria, como uma criança acredita em papai Noel, na igualdade perante a lei de todos os cidadãos.
Mas isso não é bastante para impedir que aflore o Complexo Marvel dos setores conservadores desse país, tudo pela ânsia de se criar factoides, que levantam a qualquer custo o medo da criação de super-cidadãos, super-sujeitos, super, super, super... Ao ponto de vomitar qualquer coisa sobre a concessão de super-direitos a movimentos sociais, criando uma categoria privilegiada de sujeitos. Mas ora, o que diabos é um movimento social senão a sociedade civil em movimento? Os cidadãos se movimentando para a conquista de direitos? Cômico e revelador do espírito autoritário desses segmentos ainda foi o medo que lhes causou a possibilidade de movimentos sociais não institucionalizados terem o direito de verem suas reivindicações analisadas pela Administração Pública, principalmente pela criação da Mesa de Monitoramento das Demandas Sociais (infelizmente sem caráter vinculante, mas, repito, justificado por ser um decreto). Ora, os movimentos sociais são manifestações espontâneas e orgânicas da sociedade civil em hipótese alguma precisa de chancela de ministérios, de carteirinha, ou mesmo de sigla, para se legitimarem, por sua natureza não necessitam ser institucionalizados e o não reconhecimento dessa realidade vai de encontro à dimensão normativa da democracia.
Esses setores que resolveram se rebelar contra o perigosíssimo decreto preferem viver a ficção da democracia representativa, da cidadania de 2 em 2 anos, mesmo junho tendo demonstrado toda a desconfiança da juventude com esse modelo ultrapassado, afinal sua influência, seu poder decorre necessariamente da ausência de participação popular, da manutenção das oligarquias locais e dos privilégios aos políticos profissionais que podem tratar a política como balcão de negócios. Por isso eles tremem ao falar em reforma política e se borram de medo quando se fala em participação popular. Tudo isso só deixa claro o quão tático é, para enfraquecer os saudosos do neoliberalismo, a instauração de um processo constituinte que nos permita reformar nosso sistema político, rompendo de vez com nosso passado autoritário e ampliando as bases da nossa democracia.

Magnus Henry Marques, Militante do Levante Popular da Juventude