RANCORES IDEOLÓGICOS: Reflexões sobre o movimento do “menos médico”
Quero mais médico pro povo brasileiro E mais saúde pra quem não tem dinheiro Pode ser daqui ou lá dou do estrangeiro De Cuba, Espanha ou Portugal, O que eu não quero é ficar passando mal
Muitas das manifestações das relações sociais se mostram para nós sem
realmente permitir a exposição de sua essência pra os homens e as
mulheres que a enxergam ou sentem por motivos diversos. Assim, muitas
das relações sociais aparecem para os homens e mulheres de maneira
invertida e escondem conscientemente e com uma intencionalidade clara as
razões de sua existência suas origens. É comum que os próprios sujeitos
dessas relações sociais, que acabam se posicionando em um polo passivo
delas, não tenham ciência da origem daquela prática. Esses discursos que
invertem a realidade e que se constituem por lacunas, espaços em
branco, não são de forma alguma fruto de uma conspiração maligna dos
sujeitos reacionários, mas surge da própria condição de classe daqueles
que dominam, nasce da projeção ideal da realidade na mente desses
sujeitos. A campanha asquerosa encampada por setores dos médicos
brasileiros contra o programa governamental “Mais médico” não se isola
dessa lógica. As reivindicações da categoria médica mostra sua aparência
como defensora de direitos de trabalhadores, como aglutinadoras das
vontades da população brasileira, mas, antes de assimilarmos esse
discurso, é preciso que identifiquemos bem os sujeitos que o emitem, e o
que de fato ele quer dizer. Alguns acontecimentos recentes nos
ajudam para identificar bem o real caráter desse movimento de batas: um
rancor classista e essencialmente ideológico. Nada é mais sintomático
dessa raiva classista de uma elite que vê seus benefícios sendo
reduzidos do que aquela imagem lamentável de um negro cubano, ao chegar
ao aeroporto de Fortaleza, sendo recebido por um grupo de brancxs, bem
arrumadxs, e que se imaginavam imunes graças às suas batas bem cuidadas,
vomitando ódio junto aos seus gritos: “escravos”. Nada deixa mais claro
o caráter classista e racista desse movimento do que a declaração
“inocente” da jornalista potiguar de que os médicos cubanos que chegavam
ao Brasil pareciam empregadas domésticas. E toda a maquiagem cai
por terra também quando xs senhorxs feudais dos bisturis levantam seus
discursos raivosos unicamente a vinda de médicos cubanos. Ora, não é um
programa governamental que vai levar médicos brasileiros, e de diversas
outras nacionalidades, inclusive cubana, para as cidades em que faltam?
Então como justifica esse ódio unicamente a vinda dos cubanos? Por que
não dos portugueses? Dos espanhóis? Seriam sentimentos coloniais?
Desinformação? Está muito mais que claro que setores, entre eles
esse movimento contra majoritário do menos médico, está revivendo
lembranças da guerra fria, ressuscitando o medo vermelho a qualquer
custo (o que sabemos bem que culminou no golpe de 64), e na essência
desses discursos raivosos também se encontra uma tentativa de
desmoralizar a revolução cubana e incitar na população brasileiro o medo
“dos guerrilheiros de bisturi”, o receio em romper com um modelo de
promoção da saúde baseada em lucro, em uso de medicamentos caríssimos,
tendo como centro não o homem e a mulher doente necessitando do direito à
saúde, mas a mercadoria saúde. Mas a aparência é outra. A categoria
médica, que fez uma opção de classe evidente levantando sua bandeira do
menos médico, se mantém na trincheira oposta ao do povo brasileiro,
emite uma reivindicação evidentemente anti-popular: menos médicos nas
cidades do interior, mais espaço, mercado e privilégios aos senhorxs de
branco. No entanto, seu discurso se transveste, chegando ao ponto do
presidente do SINMED do Estado do RN se mostrar como paladino da saúde
pública, defensor dxs trabalhadorxs, parecendo preocupado com as
condições de trabalhos dxs médicxs cubanxs, querendo ele que nos
esqueçamos de que no passado recente, ele esteve engrossando as fileiras
dos apoiadores de uma candidata do DEM, aquela mesma que hoje ele faz
oposição (real?), o partido herdeiro do autoritarismo de 64 e que
historicamente se colocou em lado oposto ao dxs trabalhadorxs e que
impede os avanços da luta pela erradicação do trabalho escravo no
Brasil. Que a universidade elitista, baseada na meritocracia tenha
produzido médicos tão distantes do povo, isso não me surpreende. Mas
como organizações de esquerda pode ousar também engrossar essa campanha
odiosa? Como se colocar contra um programa que pode diminuir a morte do
povo nas cidades mais longínquas? Como pode ser desmobilizador ter
médicos para te atender? Só mesmo um grande distanciamento do povo e dos
movimentos populares para justificar uma postura dessas, na melhor das
hipóteses, ou uma indiscreta e vergonhosa postura de se colocar contra
luta do povo. Que esse programa não é a solução de todos os nossos
problemas, isso é inegável, ainda temos muito no que avançar, ainda
temos muitas opressões a combater, tanto no que se refere à
concretização do Direito a saúde, como em um plano muito mais amplo. Por
isso que o povo tem reivindicado o seu espaço nas ruas, não para
desestabilizar, ainda, qualquer ordem, mas aprofundar as reformas que
nos foi prometida em 2002, e para construir o poder popular.
(foto: Recepção aos médicos do programa "Mais Médicos". Natal,15 de setembro de 2013)
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